O Brasil parece disposto a começar a adotar cautelosamente uma política monetária não convencional, usando pequenas intervenções para combater a disfunção nos mercados de títulos, como acontece com o mercado de câmbio, mas a gravidade da crise pode forçá-lo a copiar medidas dramáticas tomadas nos Estados Unidos e na Europa.
O Congresso está debatendo uma proposta de emenda constitucional que concede ao Banco Central poderes emergenciais para realizar “afrouxamento quantitativo” como parte de seu arsenal de combate a crises, permitindo a compra de ativos financeiros públicos e privados durante emergências nacionais.
Com a queda da receita tributária e um salto nos gastos para mitigar as consequências econômicas da pandemia, o governo espera que seu déficit exploda este ano para 600 bilhões de reais, ou 8% do Produto Interno Bruto.
Enquanto o Federal Reserve (banco central dos EUA) e o Banco Central Europeu estão disparando suas “bazucas”, programas de compra de ativos no valor de trilhões de dólares e euros, fontes dizem que a flexibilização quantitativa do Brasil será muito mais limitada em seu escopo e direcionada por natureza.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, disse que sua versão preferida da flexibilização quantitativa achataria a curva de rendimentos sem expandir a base monetária ou o balanço do banco ao comprar títulos de longo prazo enquanto vende dívida de curto prazo —semelhante à “Operação Twist” do Fed em 2011.
Operadores dizem que partes do mercado de dívida deixaram de funcionar normalmente durante a recente crise de aversão ao risco. O spread entre as taxas de janeiro de 2021 e janeiro de 2029 aumentou para mais de 600 pontos-base em março e, embora tenha recuado desde então, ainda está significativamente maior do que em fevereiro.
No entanto, uma fonte familiarizada com o pensamento do BC e dois ex-presidentes da instituição disseram que o banco pode optar por uma abordagem cautelosa inicialmente, intervindo apenas para amenizar distorções do mercado, como ocorre no câmbio.
A fonte disse que não é um objetivo explícito do Banco Central achatar a curva de rendimentos, nem é sua tarefa impedir o mercado de precificar o risco fiscal à medida que o déficit aumenta, exigindo rendimentos mais altos.
O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga disse que, enquanto os bancos centrais estrangeiros estão usando a flexibilização quantitativa como um grande estímulo econômico para reduzir as taxas de juros de longo prazo e aumentar os preços dos ativos, a abordagem do Brasil seria mais “defensiva”.
“Aqui, a flexibilização quantitativa seria mais como a intervenção cambial. Se houver pânico no mercado de títulos, o Banco Central poderá intervir no mercado secundário para aliviar a pressão”, disse Fraga à Reuters, acrescentando que a equipe do banco é “responsável e sensata”.
O banco central disse que não comenta projetos em tramitação no Congresso.
PERIGO DE DEPRESSÃO
Mas alguns economistas dizem que tal cautela subestima a escala da crise. O Fundo Monetário Internacional reduziu na semana passada a perspectiva para a economia do Brasil em 2020 a uma contração de 5,3%, contra crescimento previsto antes de 2,2%.
Willem Buiter, professor visitante na Columbia University e ex-membro do Banco da Inglaterra, afirmou que as autoridades monetárias precisam abandonar as preocupações sobre a taxa de câmbio, inflação e déficit, ou uma profunda recessão pode se tornar uma depressão.
“A situação é grave. Exige que o banco central use todas as suas ferramentas expansionistas para sustentar o estímulo fiscal que o governo está fornecendo”, disse Buiter.
“Eles (banqueiros centrais) deveriam liberar e comprar tanto títulos de curto quanto longo prazo…e estarem preparados para cobrir o déficit do governo este ano”, disse.
A constituição hoje só permite que o BC compre títulos públicos no mercado secundário para fins de política monetária e de gerenciamento da oferta de moeda, mas o proíbe de financiar o governo.
Alguns participantes do mercado e ex-autoridades temem que a impressão de dinheiro e o aumento do balanço do banco central deixariam o sistema bancário com excesso de liquidez. Isso levaria a taxa de juros efetiva para perto de zero, bem abaixo dos 3,75% da Selic atualmente, criando distorções nos mercados monetários.
“Isso teria consequências negativas enormes para o Brasil. Iria desvalorizar o câmbio de forma acentuada e aprofundaria a curva de rendimentos”, disse Sergio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do BC, alertando para o risco de fuga de capital.
O ex-presidente do BC e ex-ministro das Finanças Henrique Meirelles também disse que o Banco Central poderia buscar primeiro simplesmente aliviar qualquer estresse e volatilidade do mercado de títulos, fornecendo liquidez sem buscar um certo nível de preços.
“A intervenção do banco central no mercado de títulos poderia ser como sua intervenção no câmbio”, disse Meirelles à Reuters.
Mas ele destacou que, como o presidente do BCE, Mario Draghi, no ápice da crise do euro, Campos Neto precisa estar pronto para fazer “o que for necessário”.
“O banco central tem que fazer o que for preciso para combater essa crise, sustentar a economia, fornecer liquidez aos mercados financeiros e garantir que eles funcionem bem. Deveria usar qualquer ferramenta que tiver à sua disposição e agir de qualquer maneira que for necessária para atingir esses objetivos”, disse ele.