As principais economias do mundo produzirão, até 2030, mais que o dobro da quantidade de carvão, petróleo e gás condizente com o cumprimento das metas climáticas estabelecidas no Acordo de Paris, que preveem limitar o aquecimento global a 1,5 °C em relação aos níveis pré-industriais.
O alerta foi feito nesta quarta-feira (20/10) pela ONU e pelo Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo, a apenas dez dias da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP26, em Glasgow, na Escócia.
Um relatório anual do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) mediu a diferença entre o uso planejado de combustíveis fósseis pelos governos de 15 países, entre eles o Brasil, e os níveis de uso condizentes com o cumprimento dos limites de temperatura estabelecidos em Paris em 2015.
“A pesquisa é clara: a produção global de carvão, petróleo e gás deve começar a declinar imediatamente e abruptamente para ser condizente com a limitação do aquecimento de longo prazo a 1,5 °C”, disse Ploy Achakulwisut, do Instituto de Meio Ambiente de Estocolmo e um dos principais autores do estudo.
“Perigosamente fora de sincronia”
Segundo o relatório, os planos dos governos para a produção de combustíveis fósseis nesta década estão “perigosamente fora de sincronia” com os cortes de emissões necessários.
“Os governos planejam produzir 110% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria compatível com o limite de aquecimento global de 1,5 °C, e 45% mais do que seria compatível com o limite de 2 °C”, afirma o relatório.
O texto também revela que, em vez de diminuir, a produção de combustíveis fósseis provavelmente aumentará até pelo menos 2040.
De acordo com Michael Lazarus, um dos coautores do estudo, alguns países estão acelerando o ritmo de produção, com a ideia de “serem os últimos a sair” do gigantesco negócio de combustíveis fósseis.
A pior situação é a do carvão. Os planos e projeções dos 15 países analisados preveem que a produção aumentará 240% até 2030, enquanto a de petróleo terá um crescimento de 57% e a de gás, de 71%.
“Chegou a hora de os países alinharem seus planos para o setor de energia com suas ambições climáticas”, alertou Niklas Hagelberg, coordenador do subprograma de mudança climática do Pnuma.
Situação do Brasil
Entre os 15 países analisados estão Alemanha, Estados Unidos, Arábia Saudita, Brasil e México – os dois últimos não se comprometerama reduzir drasticamente suas emissões de gases de efeito estufa até 2030.
O plano energético brasileiro até 2050, aprovado no ano passado, prevê “atrair investimentos e aumentar a produção de petróleo e gás” para tornar o país um dos cinco maiores produtores mundiais, lembra o relatório.
Já o México quer desenvolver a “soberania energética”, o que envolve a recuperação da produção de petróleo, que diminuiu significativamente nos últimos 15 anos.
Nem mesmo países considerados exemplares na luta contra as mudanças climáticas estão se saindo muito bem.
A Noruega, que tem um fundo de investimentos de mais de 1 trilhão de dólares graças à exploração ininterrupta de seus campos de petróleo e gás, se limitou a indicar que deixará de investir na extração de carvão e em algumas atividades petrolíferas.
Mas mantém seus objetivos nacionais em relação aos combustíveis fósseis, ao mesmo tempo em que se posiciona como um campeão ambiental. O país planeja aumentar seus cortes nas emissões de gases de efeito estufa para entre 50% e 55% até 2030, conforme anunciado no início deste ano.
Nos Estados Unidos, as projeções mostram que a produção de petróleo e gás aumentará em 17% e 12%, respectivamente, até 2030, em comparação com os níveis de 2019.
Muito desse montante será exportado, o que significa que as emissões da queima desses combustíveis fósseis não aparecerão nas contas dos EUA, embora sejam acrescidas ao total global. A produção americana de carvão está projetada para diminuir em 30% na próxima década em comparação com 2019.
Janela se fechando
Desde o início da pandemia de covid-19, os países do G20 gastaram mais de 300 bilhões de dólares no setor de combustíveis fósseis, revela o relatório.
A própria Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) reconheceu em seu último relatório que a pressão para consumir fontes de energia baratas e abundantes não diminuirá nas próximas décadas, apesar dos cenários catastróficos alertados por especialistas.
“A energia moderna é inseparável do modo de vida e das aspirações de uma população mundial que crescerá em cerca de 2 bilhões de pessoas até 2050”, advertiu a IEA.
O relatório apresentado nesta quarta-feira também concluiu que o grupo das 20 principais economias industrializadas e emergentes investiram mais em novos projetos de combustíveis fósseis do que em energia limpa desde o início de 2020.
“Ainda há tempo de limitar o aquecimento global em 1,5 °C, mas essa janela de oportunidade está se fechando rapidamente”, disse o diretor executivo da agência, Inger Andersen, reforçando que acordos precisam ser alcançados na COP26.
O evento reunirá representantes de quase 200 países, de 31 de outubro a 12 de novembro. A cúpula anual, convocada pela ONU e adiada no ano passado por causa da pandemia, é palco para diplomatas negociarem tratados para retardar mudanças perigosas no clima.
DW/BF – Imagem: Max Gössler/Pixabay