Justiça mantém justa causa de trabalhador por comportamento homofóbico

Em depoimentos, testemunhas contaram que o ex-empregado fazia piadinha com um colega no momento em que este recebia calças novas do superior, que é homossexual.

A Vara do Trabalho (VT) de Jaciara (MT) manteve a dispensa por justa causa aplicada por uma indústria de alimentos a um ex-empregado que atuava como auxiliar de produção. A empresa aplicou a pena após constatar que o trabalhador discriminou e ameaçou um colega de serviço por homofobia.

O ex-empregado procurou a justiça pedindo a reversão da pena para dispensa sem justa causa. Na ação, disse que não foi homofóbico e que tinha bom relacionamento com todos da empresa, inclusive, tendo sido eleito membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa), como segundo mais votado.

Mas não foi o que as provas mostraram. Em depoimentos, testemunhas contaram que o ex-empregado fez piadinha com um colega no momento em que este recebia calças novas do superior, que é homossexual. Na ocasião, ele disse que a peça entregue estava sendo devolvida após ser deixada por um na casa do outro.

A vítima pediu ao agressor que parasse com aquelas brincadeiras, já feitas em outras ocasiões. Apaziguada por outras pessoas, a discussão foi retomada no pátio da empresa, no momento em que os trabalhadores iam embora.

A cena foi gravada pelo sistema de videomonitoramento e serviu de prova para a Indústria de Alimentos aplicar a justa causa. As imagens mostram o ex-empregado indo para cima dos colegas, gesticulando de forma incisiva, como se quisesse iniciar uma briga.

As filmagens foram analisadas também pelo juiz Plínio Podolan, da VT de Jaciara. “É muito evidente, pelas imagens aqui descritas, que o reclamante planejou intimidar ou constranger os colegas de trabalho”, disse o magistrado. Ele acrescentou que o trabalhador dispensado nem sequer poderia falar que reagiu “sob o calor de uma discussão”, pois a ameaça ocorreu quando ambos se preparavam para ir para casa.

“Até esse instante, aliás, eventuais excessos de linguagem, desde que não tenham se configurado em discurso de ódio ou discriminatório, poderiam ter sido corrigidos de maneira pedagógica, com uma advertência e orientação específica sobre o caso, por exemplo. Contudo, a atitude, repito, preordenada de ameaça de lesão física ou mesmo de agressão psicológica causada são graves o bastante para a aplicação da justa causa e a ruptura do liame empregatício”, pontuou o magistrado.

Na sentença, Plínio Podolan esclareceu que a homotransfobia se traduz em ação ou omissão que “agride a identidade e a orientação sexual das pessoas da comunidade LGBTQIA+, atingindo-lhes o direito humano mais fundamental que é o de viver com liberdade e dignamente”. É por isso, aliás, que o Supremo Tribunal Federal equiparou os crimes dessa natureza ao racismo, esclareceu o juiz.

“Considero que o comportamento do autor rompeu a fidúcia inerente à relação empregatícia, na medida em que adotou conduta manifestamente contrária às normas empresariais, legais e sociais de harmonia e boa convivência no ambiente de trabalho, provocando comentários preconceituosos, de teor homofóbico, contra colegas de trabalho e ameaçando-lhes ofender a integridade física e lesando a integridade psicológica”, escreveu o juiz.

Por conta disso, o magistrado concluiu que a empresa exerceu “regular e adequadamente seu poder disciplinar”, não devendo ser a dispensa por justa causa revertida.

Como a pena aplicada pela indústria foi mantida, o juiz Plínio Podolan negou os pedidos feitos pelo trabalhador para receber as verbas rescisórias a que faria jus se a dispensa houvesse sido sem justa causa. Ele também não terá direito à indenização devida pela estabilidade que possuía como membro da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA), já que o contrato de trabalho foi rompido por falta grave. Cabe recurso da decisão.