Audiência vai discutir morte em fábrica da Coca-Cola: acidentes de trabalho seguem fazendo vítimas

São Paulo – A 3ª Vara do Trabalho de Jundiaí, no interior paulista, faz audiência no início da tarde de hoje (30) sobre um caso que causou comoção: a morte de Alexandre Schragle Rover em consequência de acidente na fábrica da Coca-Cola do município. Técnico de manutenção sênior, o experiente funcionário, conhecido como Alemão, ficou prensado entre duas empilhadeiras – uma parada e outra em movimento. Tinha 37 anos, era casado, com dois filhos, de 18 e 13 anos.

“Grande parceiro de trabalho, sempre instruindo e auxiliando os companheiros. Perdemos muito sem ele. Deus o receba como ele recebia os novatos aqui e que conforte seus familiares”, escreveu um colega nas redes sociais. O acidente ocorreu em 7 de outubro último, um sábado.

Danos morais e materiais

A defesa da família pleiteia pagamento, a título de dano material, de aproximadamente R$ 2,4 milhões. E mais o equivalente a mil salários mínimo para viúva e o mesmo valor para os filhos, como dano moral. O total da ação chega a pouco mais de R$ 6,6 milhões. O advogado Eduardo Barbosa, experiente em casos de indenização, afirma que houve falha do equipamento e descaso da empresa em relação ao episódio.

Em nota, a Coca-Cola Femsa Brasil disse lamentar o episódio. “Na ocasião do acidente, o colaborador foi imediatamente socorrido e levado para o Hospital Santa Elisa, onde veio a óbito”, diz a companhia, em nota. “A empresa vem colaborando com todas as informações e documentos solicitados pelas autoridades competentes a respeito do acidente, bem como oferecendo suporte aos familiares.”

Sete mortes por dia

O caso mostra duas faces de uma dura realidade brasileira: a ocorrência interminável de acidentes de trabalho (613 mil em 2022) e a triste herança para quem perde alguém nessas circunstância – geralmente, o principal responsável pelas despesas da casa. Foram 2.538 mortes em consequência de acidentes em 2022, último dado disponível. Ou praticamente sete óbitos por dia, como mostram os dados Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho.

Casos que muitas vezes caem no esquecimento, como na Multiteiner, em Itapecerica da Serra, na Grande São Paulo. Em setembro de 2023, no mesmo mês em que Alexandre sofria o acidente fatal, se completou um ano do episódio que causou nove mortes após o desabamento de um auditório. Eram todos jovens, sendo sete mulheres.

Desde então, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região cobra responsabilizações e punição. Segundo a entidade, foi feita nova fiscalização no local, ainda sem informações disponíveis. Assim, em todos os casos que envolvem acidentes, além de cobrar responsabilidades, famílias, advogados, sindicalistas e procuradores combatem a “invisibilidade” das vítimas.

Família tenta “se reinventar”

Advogado do caso de Jundiaí, Eduardo Barbosa acredita que a falta de punição severa contribui para a impunidade. “Não há nenhum tipo de receio dos agentes causadores (de acidentes). Como a punição no Brasil é um valor baixo, não há preocupação maior, não existe iniciativa para evitar isso. A punição corrige, ela altera o modus operandi“, afirma. “A vida do trabalhador no Brasil não vale muito.”

Ele também aponta as várias possibilidades de recursos judiciais, que muitas vezes fazem com que as famílias desistam de briga e aceitem acordos nem sempre razoáveis. “Alguns (acidentes) são culpa exclusiva do agente causador, e ainda assim ele contesta, não presta assistência à família.” Para o advogado, isso aconteceu no caso da Coca-Cola. “Eles deram suporte emocional à vítima. (…) A fábrica continuou produzindo. Para eles, não mudou nada.” Ainda segundo Barbosa, houve falha do equipamento (sensor). A empresa também estaria “colocando dificuldades” no pagamento de verbas rescisórias. “Eles (família) estão tentando se reinventar”, conta.

Histórias para contar

Por outro lado, às vezes o entendimento acontece. Barbosa cita o caso da morte de um trabalhador na Braskem, em Santo André, no ABC paulista, depois da explosão de um tanque, em junho do ano passado. “Em três meses, protocolamos um acordo, que está sendo homologado na Bahia (onde nasceu o trabalhador)”, relata o advogado.

As histórias da Natalia, Diana, Claudevan, Letícia, Jucimara, Valquíria, Diego, Angela e Iara, da Multiteiner, ainda estão em aberto. Amanhã, uma parte da história de Alexandre será recontada.