A última canetada do presidente Jair Bolsonaro em 2020 foi sancionar, com 24 trechos vetados, o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, no dia 31 de dezembro, que define as metas do governo para este ano, levando em consideração os limites orçamentários, como despesas e receitas, e as expectativas de crescimento. De acordo com a LDO, por exemplo, espera-se um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 3,2% para 2021; uma taxa Selic, que é o índice que regula a taxa de juros no país, de 2,1%; e um dólar a R$ 5,3.
Nesse rol, um dado que tira o sono do ministro da Economia, Paulo Guedes, é o valor total da dívida pública a ser paga aos investidores em 2021: cerca de R$ 1,31 trilhões. Somente no primeiro semestre estão a vencer aproximadamente R$ 600 bilhões em títulos públicos, de acordo com um levantamento feito pelo Banco Inter, de outubro de 2020. Segundo as estimativas da LDO, para pagar essa conta, ainda há um déficit de R$ 247,1 bilhões – recurso que precisa ser arrecadado com a meta fiscal prevista na lei.
Todos esses dados, com maior peso ao valor a ser pago neste ano, entram na conta da LDO para estabelecer limites orçamentários, expectativas de crescimento e metas. Parte desse projeto entra na outra ponta: o corte da projeção de gastos realizado por meio de vetos de Bolsonaro à LDO, seguindo as recomendações do Ministério da Economia, a fim de conseguir cumprir a meta fiscal. Entre os 24 vetos, o capitão reformado impediu que cerca de 60 ações e programas ficassem livres de contingenciamento, como reforma agrária e demarcação de terras indígenas. Também foi vetado um trecho que impedia o bloqueio de recursos para o combate à pandemia de covid-19 e a produção de vacinas.
Paralelamente, em novembro, Guedes afirmou à CNN que uma das metas para 2021 é “derrubar a relação dívida-PIB” com os recursos obtidos a partir de seu programa de privatizações. “A covid-19 empurrou a relação para cima neste ano [em 2020]. Vamos derrubar a relação dívida-PIB em 2021. Para isso, vamos acelerar o programa de privatizações”, disse. Com a pandemia, o governo federal precisou se endividar ainda mais para bancar os gastos gerados pelo combate à covid-19, uma vez que o Teto de Gastos limita as despesas do governo. De acordo com o Tesouro Nacional, somente em outubro, o governo chegou a levantar R$ 173,3 bilhões com a venda de títulos da dívida pública. Isso representa o triplo da média mensal arrecadada.
Criminalização dos gastos sociais
Na visão de Iriana Cadó, economista e pesquisadora do Centro de Estudos Sindicais, Economia Social e do Trabalho (CESIT) do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o movimento neoliberal do governo de priorizar a diminuição da dívida pública, por meio de uma política austera em relação aos programas sociais, e mesmo sanitários em meio à pandemia, é de “criminalização” da dívida pública, “porque se criminaliza, na sua essência, a dinâmica de gasto público”.
Teto de Gastos voltou a vigorar em 2021
Outro fator que impacta diretamente no aumento da dívida pública é o limite imposto pelo Teto de Gastos às despesas primárias, das áreas sociais, que não requerem a formação de dívidas para realizar o pagamento, sendo este feito somente a partir de contribuições, impostos, concessões, privatizações e afins. A emenda constitucional, que foi aprovada em 2016, no governo de Michel Temer, estabelece que as despesas do governo devem ser reajustadas, de um ano para o outro, de acordo com a inflação, pelos próximos 20 anos, e não devem ultrapassar esse limite.
O objetivo principal do Teto de Gastos é controlar a dívida pública, mas com o Orçamento de Guerra, aprovado pelo Congresso Nacional devido à pandemia, as despesas públicas não ficaram sujeitas aos limites do teto durante o estado de calamidade pública. A partir de janeiro de 2021, o Orçamento de Guerra perdeu a validade.
Quando a dívida pública se torna um problema?
Na visão de Paulo Gil Holk Introini, diretor do Instituto Justiça Fiscal (IJF) e integrante do Coletivo de Auditores Fiscais pela Democracia, a dívida pública só se torna um problema quando é dolarizada ou apresenta juros muito altos. “Se os títulos não estiverem indexados, ou seja, sujeitos de correção atrelada à moeda estrangeira, não é um problema, porque é emitida em moeda nacional. Como é o próprio Estado quem emite a moeda, então pode emitir para a dívida publica interna.”
Nas palavras de Introini, a emissão de moeda só gera inflação em um contexto de pleno emprego tanto de trabalhadores quanto dos fatores de produção, cuja demanda pela maior liquidez levaria ao aumento dos preços. No entanto, este não é o caso brasileiro, que vive recordes de desemprego e escassez de produção.
O segundo problema são as altas taxas de juros. “Se tiver uma remuneração muito elevada, tem um efeito redistributivo muito negativo, aumenta a desigualdade social”, além de tornar o Estado “refém” da geração de riqueza dos investidores. “Os rentistas temem que o Estado não consiga honrar os juros, eles querem os juros mais elevados possíveis”, afirma Introini.
Dívida pública de outros países
Em 2021, a dívida pública dos Estados Unidos atingirá cerca de 102% do PIB, de acordo com a Comissão por um Orçamento Fiscal Responsável (CFRB, pela sigla em inglês). Os dados ainda não são os oficiais, mas se confirmada, será a maior relação entre dívida pública e PIB do país desde 1946, quando acabou a Segunda Guerra Mundial, de 106,1%. Segundo Introini, no pós-guerra, alguns países chegaram a ter o dobro do PIB em dívida pública. “Isso não foi um problema. Com o crescimento econômico, essa dívida foi diminuindo”.
Segundo o site estadunidense Debtclock, que mostra a relação entre PIB e dívida de alguns países, em 2020 o Japão fechou o ano com 269,62% do PIB em dívida. Na mesma linha estão, Grécia (233,28%), Reino Unido (108,08%), França (116,35%), Itália (162,30%) e Canadá (109,72%).