Marketing pesado e o Instituto Pensar Agro foram peças chaves para o agrarismo se tornar a maior bancada legislativa
Marcio Pochmann*
Nas eleições gerais de 2018, a representação política dos negócios econômicos vinculados ao complexo agropecuário no parlamento brasileiro cresceu 7,1% em relação ao resultado de 2014. Ademais do sucesso obtido na expansão eleitoral, o lobby das empresas e associações do agronegócio identificado por Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) apresentou importante capacidade de renovação, uma vez que somente 45% dos eleitos em 2014 conseguiram se reeleger em 2018.
Com 257 deputados federais, somente a FPA conseguiu responder pela metade do total dos parlamentares pertencentes à Câmara dos Deputados Federais. A força quantitativa da bancada parlamentar ruralista resultou não apenas da ocupação de parte dos postos de comando no Legislativo (Câmara e Senado), bem como na composição tanto nos ministérios do Poder Executivo como nas indicações do Poder Judiciário.
Essa postura política exitosa, focada no Poder Legislativo por parte dos interesses econômicos da agropecuária no Brasil, parece resultar das inovações implementadas a partir da derrota sofrida logo na retomada das eleições democráticas, após o longo período autoritário que cassou o direito de voto para presidente da República. O fato de o candidato Ronaldo Caiado, ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR) e pertencente à família de negócios agrários com importante participação na política goiana desde o século 19, não ter alcançado nem 1% dos votos para presidente em 1989 indicou a dificuldade que os interesses econômicos da agropecuária tinham de repetir o sucesso político do passado.
Durante a República Velha (1889-1930), por exemplo, a população era majoritariamente rural e as eleições visivelmente fraudadas, com eleitores, em sua maioria, homens brancos, ricos e alfabetizados. Ademais de contar com votantes cuja totalidade não alcançava 5% do total da população, o Parlamento era controlado pelos barões do café de São Paulo e os pecuaristas de Minas Gerais.
Na fase democrática de 1945 a 1964, quando o Brasil fazia a transição para a sociedade urbana e industrial, a base social eminentemente rural se vinculou com um partido político. O Partido Social Democrático (PSD) foi o que acolheu os interesses econômicos agropecuários da época, sendo responsável pela maioria absoluta tanto na Assembleia Constituinte de 1946 como na Câmara e Senado até o golpe civil-militar de 1964.
Como se sabe, o ciclo político da Nova República iniciado em 1985 tinha o eleitorado majoritariamente urbano e grande fragmentação partidária, o que tornou mais complexa a continuidade da mesma estratégia de dominação adotada no passado pelo agrarismo. Por isso, a opção pela formação de uma base parlamentar que permitisse aglutinar eleitos de distintos partidos e regiões do país para, inicialmente, proteger politicamente os interesses econômicos do segmento a partir dos anos 1990.
Na sequência, mesmo sem ter capacidade de eleger diretamente o presidente da República, o sucesso da estratégia de formação da frente parlamentar permitiu controlar o Poder Executivo ao longo dos anos 2000. Mais recentemente, com a maior bancada no Poder Legislativo, passou a dirigir o Poder Executivo.
Para isso, inovações e mudanças precisaram ser realizadas para alcançar o êxito da estratégia política implementada. O aportuguesamento da palavra inglesa agribusiness concedeu inovação ao setor com a popularização do termo agronegócio, visando substituir o conceito do rural identificado como atraso pelo moderno conjunto de atividades agrícolas e industriais voltadas à produção em grande escala e de conexão do campo com o consumidor final.
A mudança metodológica de aferição do agronegócio destoou da adotada tradicionalmente pelo IBGE, pois apontava decréscimo da participação relativa da agropecuária no Produto Interno Bruto (PIB) e na ocupação total. Atualmente, o IBGE aponta que a produção agropecuária equivale a 5,9% do PIB e a 9,1% das ocupações dos brasileiros.
Mas, de acordo com a métrica do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, em parceria com a Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz (Fealq) e Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), a participação do agronegócio atinge a quase 27% do PIB e a 19,5% do total dos ocupados no país. Dessa forma, o agronegócio no Brasil seria, proporcionalmente ao PIB, quase duas vezes superior ao dos Estados Unidos (14%), embora ainda inferior ao de Gana (63%) e da Etiópia (86%).
Apesar da contida presença da população e, por consequência, da quantidade de eleitores vinculados ao meio rural, a conquista do voto para a formação da bancada do agronegócio tem sido bem-sucedida. Sinal disso é o crescente descompasso existente entre a minoritária população de eleitores no meio rural (13% do total) e a maior representação política do ruralismo no parlamento (50% do total).
O fato de o sistema eleitoral vigente favorecer a decisão do voto no candidato, muito mais do que na legenda partidária ou no programa e ideário defendidos, permite que o poder econômico se estabeleça com maior capacidade ao atuar de forma organizada. Para o Observatório do Agronegócio no Brasil, por exemplo, a estratégia política dos interesses econômicos do complexo agropecuário se alimenta de centros pensantes como, por exemplo, o Instituto Pensar Agro (IPA).
Em geral, são institutos de estudos e pesquisas que também reúnem lobistas e executivos do agrarismo. Para tanto, recebem financiamentos generosos de institutos patronais e empresas nacionais (JBS, Marfrig, entre outras) e corporações transnacionais (Bunge, Cargill, Bayer, Syngenta, Basf, Nestlé, Danone e outras).
Isso não é novo no Brasil, pois basta relembrar a atuação do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPÊS) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) que, no início da década de 1960, agregaram a inteligência civil e militar de direita em defesa do conservadorismo. Naquela oportunidade, o IPÊS e o IBAD também contaram com financiamento de instituições patronais internas e externas (American Economic Foundation e American Information Committee) e apoio da mídia comercial (Jornal do Brasil, O Globo, Correio da Manhã, Última Hora e outros) e de representantes políticos, eclesiásticos e artistas, conforme revelou René Armand Dreifuss (1964: a conquista do Estado).
Ao se voltar ao período da República Velha, compreende-se também o papel desempenhado pelo capital estrangeiro e nacional na atuação sobre o Parlamento em defesa dos seus interesses econômicos dominantes. No final do século 19, por exemplo, empresas inglesas e alemãs controlavam parcela significativa das exportações das commodities da época, segundo Antônio Barros de Castro (As empresas estrangeiras no Brasil).
*Márcio Pochmann é economista, pesquisador e político brasileiro. Professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Foi presidente da Fundação Perseu Abramo de 2012 a 2020, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, entre 2007 e 2012, e secretário municipal de São Paulo de 2001 a 2004. Concorreu duas vezes a prefeitura de Campinas-SP (2012 e 2016). Publicou dezenas de livros sobre Economia, sendo agraciado três vezes com o Prêmio Jabuti.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado